quinta-feira, 8 de maio de 2014

Conto - Você grita



Você grita, mas não ouço. Paro suas armas no ar e as mando todas de volta. Não percebe? É um ciclo, quanto mais tentar me ferir mais irá se machucar. Só vou devolver as armas que jogar. Será você atirando em você mesmo. Um sujeito, uma ação. O mesmo que pratica recebe.
Eu recuso seu pedido de dançar. Dançará sozinho e se tornará poeira no vento como tudo a de se tornar. Nada dura para sempre, só a terra e o céu.
Em minha cabeça sempre a mesma música, com todos os meus sonhos passando como imagens.
Uma gota pinga na água causando ondas. É isso que somos, uma gota de água no oceano. Podemos causar algumas ondas, mas no fim, as ondas de verdade não são as nossas.
Veja, você se perdeu de si mesmo. Se encontre e seja livre todas as manhãs para decidir o que fazer seu destino esta em suas mãos, mantenha ao menos um pé no chão.
Não quero te dizer Adeus, quero você bem, para te encontrar de novo um dia. Querendo ou não, você esta dentro de mim.
Uma vez você disse que garotos crescidos não choram. Eu ainda tenho esperança de que você descubra o que é ser da melhor forma.
O seu problema nunca foi comigo. O tempo inteiro foi você contra você mesmo, como nesta batalha. Será que vou te ver morrer junto de seu exército? Ainda lembro do primeiro exército que derrotei. Eram 700, e nós éramos 6. Eu com pouquíssimo treinamento, você sem nenhum. Caíram 200 deles e 4 dos nossos. Ficamos só eu e você, costa com costa.
Eu tinha uma faca e um poder que não sabia controlar, pensei que estava no meu limite. Meu corpo doía e eu tremia, enjoada com o cheiro de sangue e morte.
Eles mandaram nos rendermos e jogarmos as armas no chão. Se o fizéssemos eles nos torturariam até morrermos. Você soltou sua faca e segurou meu pulso, firme, sem me machucar, soltei a faca esperando a morte. Você me virou de forma que eu ficasse de frente para você, e me beijou.
Eu ouvia apenas as nossas respirações, meu corpo parou de doer e eu só o percebia onde o seu me tocava. Pude sentir a vibração de tudo ao nosso redor. Parecia um sonho.
Foi a primeira vez que tive total controle de mim mesma. Eles começaram a atirar flechas, facas e tudo o mais, acho que ficaram com medo de se aproximar. Eu as parei no ar, as virei e mandei-as de volta, prosseguindo com elas, atravessando alguns corpos. E depois de passa-las pelo círculo que havia á nossa volta as fiz dar meia volta e derrubar todos os outros.
Quando minhas pernas falharam, você me segurou. Não derrotei aquele exército sozinha. Você os derrotou comigo. Aquele foi o início de nossa era dourada, que se transformou em um negrume capaz de assustar-me.
Meu vício em você era como o vício de uma droga. Dizia a mim mesma que te deixaria, mas eu nunca ia.
Te questionei um dia. Perguntei por que me beijou naquela hora inoportuna. Você disse que talvez aquela fosse sua ultima oportunidade de fazê-lo. Naquela hora pensei “Não quero saber, eu o amo.”.
Como foi que terminamos? Eu sempre estive solta, meu chão sempre foi todo o universo, por isso estou também sempre presa. Você se tornou um homem de ferro. Derrotamos inimigos fortes, derrotamos exércitos. Onde conseguiu o seu?
Caminho sem pressa para onde acho que você esta. Seu exército me ataca por todos os lados, menos pelas costas, os que ficaram para trás estão mortos.
Sangue suja minhas botas pretas como o ferro estigio, o ferro tirado do rio do mundo dos mortos.
Quando foi que reuniu esses milhares de almas para morrerem por você? Não sei quantos anos tem minha alma, sempre pareci uma velha, por mais nova que fosse.
Depois que o contraste causado pelo sangue contra qualquer coisa que olhasse se tornou mais importante para você do que qualquer outra coisa, você me disse que não iria desistir de mim, mas acho que não percebeu que só queria me ter por orgulho.
Você só se esqueceu de que eu sou amor e proteção porque amo e protejo tudo ao meu redor. Entretanto escolho quem amar, quem proteger e por que lutar.
O céu era seu, mas você sempre teve a mania de complicar. Sei que sou apenas uma rachadura no castelo de vidro que construiu, mas sei que sou grande o suficiente para derrubá-lo.
Um exército de 20 mil pessoas, uma muralha com canhões e armadilhas, um castelo, flechas incendiárias, essa é a sua tentativa de me parar? Não vou parar até chegar á você. Explodirei cada canhão, desviarei cada flecha matarei cada pessoa do seu exército corrompido, mas não cairei.
Não trouxe ninguém comigo, quis lidar com você sozinha, eu não tive coragem de fazê-lo quando estava ao meu lado, mas agora vou ter, porque sei que é tudo o que posso fazer por você e pelas pessoas. Você deixou de ser o homem que amei.
Porque se esconde? Será por todas as promessas que se perderam no eco vazio em que se tornou? Você conhece meu poder, sabe que eu os derrotarei, sabe que vou chegar em você. Porque se esconde? Tem medo?
Corpos se espalham ao meu redor. Corpos que eu derrubei. O exército esta morto. Levito até acima da muralha explodo todos os canhões e armo todas as armadilhas. Mas não é á mim que os estilhaços ferem. A muralha caiu. E não é só o que esta ao seu redor que cai. Eu também estou ruindo.
Sigo voando, direto para a janela em que tive um vislumbre de você. Essa será a minha noite gloriosa e também a noite de minha morte. Jamais serei a mesma.
Explodo a janela e parte da parede, pouso á meio metro de você. Esse é um momento que não esquecerei até a hora de minha morte.
“Tome seu rumo.” Foi o que eu disse a você quando o mandei embora. “Tome o seu rumo e não volte mais. Nunca mais.” Você não voltou. Sinto a vibração da estrutura do castelo. Balance comigo, desabe do jeito que eu estou desabando, isso, devagar até ruir. Você sorri e ajoelha rendendo-se a mim. Não abaixo a cabeça para te olhar, mas você levanta a sua para me olhar nos olhos. Entrelaço meus dedos em seus cabelos pela ultima vez. Uma vibração e esta feito. Você esta morto.
Os pedaços do telhado em cima de mim se desfazem antes de me atingir. Não posso ruir com você. Ainda tenho pelo que lutar, ainda tenho o que proteger, prometi que ia voltar.
Levito novamente, subindo. Um ponto negro no céu, contra o pôr-do-sol. As cinzas de seu castelo serão seu túmulo.
Eu ainda o amo. Voo na direção oposta ao vento, voltando pelo caminho contrário ao que fiz. Ele esta morto. Direi. E parte de mim morreu com ele, completarei em pensamento.
Fecho os olhos e sinto o vento em meu rosto, jogando meus cabelos para trás e trazendo o cheiro de sangue fresco e ferro frio. No fim, nossa história foi apenas mais uma que terminou á sangue e ferro.

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